sexta-feira, 8 de maio de 2009

É sempre violência

"Estamos a falar de crianças com menos de quatro anos. Nessa idade (e também mais tarde), uma criança a quem se dê uma palmada ocasional reage com incredibilidade e assombro, frustração e pranto inconsolável." Carlos González, Bésame Mucho – Como Criar os Seus Filhos com Amor


“As crianças nunca são demasiado pequenas para serem açoitadas: como bifes duros, quanto mais lhes batemos mais macios ficam.” Edgar Allan Poe, Fifty Suggestions

“Uma palmada no momento certo pode aliviar a atmosfera tanto para os pais como para a criança.” Dr. Spock



"Podemos inventar mil desculpas para maquilhar a realidade, mas a verdade é que a nossa sociedade condena a violência, excepto quando a vítima é uma criança. Se a vítima é uma criança e o agressor outra, um professor ou, sobretudo, um dos pais, toleram-se e por vezes aplaudem-se doses incríveis de violência.


A violência contra uma criança parece-nos mais aceitável quando o agressor é um pai ou um professor do que quando é um desconhecido. De facto, nunca permitiríamos que um desconhecido se aproximasse do nosso filho na rua e lhe batesse.
E para a criança, o que é mais aceitável? A agressão de um desconhecido pode causar-nos dor e medo. Mas o nosso próprio pai! À dor e ao medo juntam-se o assombro, a confusão, a traição, a culpa (sim, a culpa; mesmo que pareça inacreditável, as crianças têm tendência para pensar que, se lhes batem, é porque mereceram. Mesmo aqueles que sofrem maus tratos de um pai alcoólico se sentem culpados). Um desconhecido apenas nos atinge o corpo; os pais, além disso, podem atingir-nos a alma.

Estou então a dizer que não podemos nunca, por nenhuma razão, bater a uma criança? Exactamente. E como podemos, então, impor a disciplina? Imagine que o seu filho faz exactamente o mesmo denro de quinze anos. Não lhe poderá bater porque então será ele o mais forte (e essa é, não nos enganemos, a razão pela qual não batemos aos mais crescidos). Como resolverá então a situação? Pois é melhor ir praticando.

Estou de acordo com Spock quando afirma que alguns pais, em vez de baterem aos filhos, recorrem a formas ainda mais prejudiciais de violência, como a humilhação, os gritos constantes, a troça, o desprezo. Como em tudo, existem cambiantes; e a troça e os insultos quotidianos podem ser piores do que uma palmada ao de leve de tempos a tempos. Mas isso não me serve de justificação para as palmadas.

Deverá a polícia deter os pais que batem nos filhos? Ou, em sentido mais amplo, somos maus pais porque alguma vez batemos aos nossos filhos? Ou porque lhes batemos muitas vezes? O meu filho sofrerá um «trauma» por causa daquela vez em que, há doze anos, perdia a cabeça e lhe bati?
É claro que a polícia e a justiça devem intervir em casos graves de violência e crueldade; outros casos menos graves pertencem ao domínio da psiquiatria e do trabalho social. Mas não é menos certo que será difícil encontrar um pai que nunca tenha levantado a mão contra o filho.

Também existem casais, familiares, amigos ou colegas de trabalho que alguma vez (ou muitas vezes) discutiram desabridamente, se insultaram ou ridicularizaram e mesmo se bateram e, no entanto, conseguiram reconciliar-se e voltar a ganhar o equilíbrio. Sem dúvida que, em muitos casos ligeiros de violência, tanto na família como fora dela, a intervenão da polícia e da justiça não faria mais do que piorar a situação e dificultar uma conciliação amistosa.

Não é necessário chegar aos casos extremos que saem nos jornais, às queimaduras com cigarros ou a ossos partidos. Todos os dias existem crianças entre nós que recebem palmadas por «responder» a um adulto, que ouvem gritos, troças e impropérios devido a actividadea perfeitamnete inocentes, que são castigadas por acidentes ou erros involuntários, que são fechadas durante horas seguidas em quartos convertidos em celas de castigo, que são obrigadas a voltar a engolir tudo aquilo que acabam de vomitar ou castigadas e proibidas de praticar ao ar livre as suas actividades de lazer. E tudo isto com base em regras e regulamentos que não estão escritos, normas que frequentemente se inventam depois de acontecerem os factos, mediante juízos em que uma mesma pessoa é o polícia, a testemunha, o juíz e o verdugo sem qualquer documento escrito, sem defensor, sem possibilidade de recurso (o protesto geralmente aumenta o castigo).

Proponho que ponhamos fim a esta justificação. Que deixemos de pensar como vivemos e tentemos viver como pensamos. E, se alguma vez «levantarmos a mão» contra o nosso filho, façamos o mesmo que se tivesse acontecido com um companheiro de trabalho ou um familiar adulto:

- Procurar por todos os meios que isso não aconteça.
- Reconhecer que fizemos mal e sentirmo-nos envergonhados.
- Pedir perdão à vítima.

Os dias mais felizes do seu filho ainda estão para acontecer. Dependem de vocês."

Bésame Mucho - Como Criar os Seus Filhos Com Amor

Não me canso de reler e recomendo vivamente.

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